Estimado leitor,
hoje venho falar-lhe de NÓS, os adeptos.
Já aqui lhe contei a história de como me tornei adepto do meu clube. No entanto, tendo eu nascido e sido criado numa pequena cidade de Portugal, Tomar, poderá parecer estranho para alguns aficionados porque é que não apoio a equipa local (onde até joguei 9 anos) o União Futebol Comércio e Indústria de Tomar (UFCIT).
Pois bem, a questão não é não apoiar, mas sim como se apoia. Num país como Portugal, onde o poder do futebol está demasiado concentrado em meia dúzia de clubes (até já estou a ser simpático em não dizer só 3), a atração exercida por estes acaba por se tornar imbatível para qualquer jovem que queira celebrar a conquista de títulos.
Os clubes mais modestos, por não terem a capacidade de lutar pelos “canecos”, sentem muitas dificuldades em atrair e fidelizar fãs. Esta falta de adeptos conjugada com as limitações geográficas constituem um problema óbvio em termos de competitividade de longo prazo.
Então surge aqui a questão da sobrevivência destes clubes. Será que têm de se contentar com a mediocridade financeira? Será que não há nada que se possa fazer em termos de angariação de adeptos? Será que o pouco orçamento de que dispõem está a ser aplicado nos adeptos certos? Será que podiam fazer algo diferente?
Acredito que para responder a estas perguntas é imperial saber que tipos de adeptos existem e é isso mesmo que quero abordar nesta edição da Factball, e como já sabe, sempre recorrendo aos factos.
Vamos a isso!
O problema
Como já percebeu pela introdução, a falta de adeptos é um dos grandes problemas de muitos dos clubes de futebol mundiais. Obviamente que não falo daqueles que atuam nas competições europeias e onde jogam as grandes estrelas, porque esses representam uma pequeníssima parte do bolo global deste desporto.
Para um clube da dimensão do União de Tomar, que neste momento até atua no quarto escalão da pirâmide do futebol português, é muito difícil encher o seu estádio semana sim, semana não, estádio esse que já de si é pequeníssimo - capacidade para 500 pessoas.
Para além da modesta bilheteira, é quase impossível pensar em fontes de receita significativas para este tipo de clubes, senão vejamos:
as receitas do bar ou restaurante do estádio, quando os há, dependem diretamente do número de bilhetes vendidos;
o merchandising, ou seja, camisolas, cachecóis, acessórios e outras bugigangas, muitas vezes nem estão disponíveis porque muitos clubes, nem loja têm;
os patrocinadores, maioritariamente locais, também não podem contribuir com grandes receitas porque o alcance do clube é muito reduzido;
as transferências de atletas não têm nenhuma expressão nestes contextos competitivos.
Os mais atentos já terão reparado no que falta nestas contas, e é uma fonte de receita que representou, em média, 48% dos proveitos dos 20 clubes mais ricos do mundo em 2022: os direitos televisivos.
E é precisamente por isto que os adeptos têm um papel crucial para estes clubes de menor capacidade financeira: por ainda constituírem uma das principais fontes de receita, cada um tem um peso adicional.
Categorias de adeptos
Olhemos então para os tipos de adeptos que existem e como podem os clubes segmentá-los de forma a comunicar com eles e satisfazer as suas necessidades da forma mais eficiente.
Num estudo de 2020 elaborado pela Associação Europeia de Clubes, onde foram analisados 7 mercados (Reino Unido, Espanha, Alemanha, Polónia, Países Baixos, Índia e Brasil) e se retiraram 2.000 respostas de cada um, perfazendo uma amostra de 14.000 pessoas, entre os 8 e os 64 anos, foram recolhidos alguns dados que quero partilhar consigo.
Depois de analisados os comportamentos destas pessoas, mais precisamente a frequência e a profundidade das interações com o jogo, foi possível separá-las em 6 grupos distintos:
FOMO Followers (27%) - Seguidores com “medo de ficar de fora”
Segmento relativamente jovem (52% com menos de 35 anos), predominantemente do sexo masculino (54%);
Adeptos moderados - afirmam acompanhar o desporto com atenção, mas não se identificam como grandes adeptos;
Seguem o futebol principalmente para o puderem utilizar como tema de conversa;
Têm um envolvimento frequente com o futebol através de notícias, streams ilegais, partilha de histórias/memes, mas que não estão emocionalmente investidos no jogo;
Preferem seguir os grandes clubes europeus e as grandes competições em vez das ligas domésticas devido à melhor qualidade de “entretenimento” que isso lhes traz.
Main Eventers (19%) - Fãs dos eventos principais
Tipicamente mais velhos (64% acima dos 35 anos) e maioritariamente do sexo feminino (52%);
Adeptos moderados - acompanham as notícias e assistem pela televisão;
Envolvimento fraco com o jogo, mas que aumenta durante os grandes jogos ou competições;
Menos preocupados com os resultados e mais interessados no evento em si.
Tag Alongs (19%) - Adeptos que acompanham o desporto
Tipicamente mais velhos (65% acima dos 35 anos) e maioritariamente do sexo feminino(59%);
São os adeptos de futebol menos fervorosos, com um envolvimento pouco emocional e pouco intelectual;
O interesse é despertado pelos amigos/família ou pela preferência pela seleção nacional;
Apesar do pouco interesse no desporto, a maioria ouviu falar da Liga dos Campeões e da Liga Europa e o seu interesse aumenta durante as grandes competições.
Club Loyalists (14%) - Adeptos leais ao seu clube
Este é o segmento mais velho (70% acima dos 35 anos) e são maioritariamente do sexo masculino;
Altamente investidos no jogo e são adeptos de longa data;
O futebol é interessante e uma fonte de entretenimento para eles e seguem os seus clubes com muita atenção;
Estão emocionalmente investidos no seu clube, o que ajuda a formar a sua identidade;
Assistem regularmente a jogos de futebol e estão sempre em cima das últimas notícias.
Football Fanatics (11%) - Fanáticos do futebol
Seguem o futebol no seu todo, com um envolvimento emocional muito elevado - o futebol carrega um sentimento comunitário fundamental para a sua experiência;
São ligeiramente mais novos do que a média (37% acima dos 35 anos) e é o grupo com maior preponderância do sexo masculino (69%);
Acompanham outros desportos, mas o futebol é o principal;
Preferem ir ao estádio tirar proveito da experiência da união e do convívio;
Têm uma ligação muito forte ao seu clube, mas o seu envolvimento vai muito além disso, incluindo até futebol de divisões inferiores.
Icon Imitators (11%) - Adeptos que jogam e querem imitar os craques
Este é o segmento mais jovem de todos (53% com idades compreendidas entre os 13 e os 34 anos) e maioritariamente do sexo masculino (57%);
O interesse pelo futebol é moderado ou elevado, com tendência de crescimento;
O seu interesse pelo futebol advém principalmente do facto de jogarem - preferem jogar a assistir;
Acompanham jogadores específicos e identificam-se com eles;
Não estão tão focados em competições, mas divertem-se com os jogos grandes onde alinham os melhores jogadores do mundo.
Conclusão
Para sermos verdadeiramente rigorosos, cada clube deveria levar a cabo um estudo da sua audiência e separar os adeptos em categorias próprias que reflitam a sua realidade, mas o estudo acima indicado acaba por ser um bom ponto de partida.
Em clubes globais, isto é prática comum, e aplicam-se aquilo a que se chamam estratégias de “fan engagement”. Esta área derivou da necessidade dos clubes de se expandirem, uma vez que os adeptos locais já não constituem uma fonte de receita suficiente para os investimentos que se fazem em infraestruturas, staff técnico e acima de tudo transferências de jogadores e os seus salários.
Mas claro, o que se estuda nessas universidades pelo mundo fora são os exemplos “fáceis”, de clubes com orçamentos de marketing enormes, que se podem dar ao luxo de fazer tours de pré-época noutros continentes e “açambarcar” adeptos que nunca sequer visitaram o estádio do dito clube.
Assim, o que quero aqui destacar são os clubes com menos adeptos, de cidades, vilas e aldeias que por não terem expressão no panorama internacional do desporto, têm cada vez mais dificuldades em atrair novos adeptos.
Isto leva-me a levantar algumas questões que todos os dirigentes se deveriam perguntar de forma a desenvolverem as suas estratégias de marketing:
Não estaremos a dar demasiada atenção a uma pequena parte dos adeptos? Se as estratégias são simplesmente direcionadas para os adeptos leais ao clube, é preciso entender que estes apenas representam 14%.
Como podemos cativar os fanáticos de futebol (11%)? Será que se dermos acesso a conteúdos mais detalhados sobre o jogo, conseguimos obter a atenção destes? Mais estatísticas dos atletas, análises táticas feitas pelo staff do clube, informação detalhada dos processos de recrutamento de atletas, etc… De forma geral, dar mais acesso e combater o “secretismo” que ainda assola esta indústria.
Como vamos fazer com que os adeptos que acompanham moderadamente o desporto (19%) se interessem pela nossa equipa? Como fazer com que o clube de futebol seja o assunto mais falado na pequena cidade ou aldeia? Poderemos criar ações e dinâmicas para os jogadores estarem mais próximos da comunidade (participação em eventos locais, interação com causas e atividades que sejam do interesse da comunidade envolvente, etc.)? Criar ações de promoção em locais de atração da população que não estejam relacionados com futebol (mercados municipais, restaurantes, cafés, negócios de retalho locais, por exemplo).
Os adeptos que seguem os eventos principais (19%) e os que seguem os ícones do desporto (11%) são talvez mais difíceis de cativar neste tipo de clubes, mas e se forem concebidas ações para os clubes que, mesmo não jogando, possam estar mais perto da ação? Convidar adeptos a assistir a jogos das grandes competições pela televisão com os atletas da equipa, ou até mesmo levar alguns adeptos aos grandes palcos (vestidos com as cores do clube local).
E se o espetáculo que estamos a oferecer poder ser mais atrativo? E se dermos condições aos nossos adeptos para adicionarem espetáculo a partir das bancadas? Apoios à organização de claques, ações de formação de respeito pelos intervenientes pelo jogo, alocação de fundos para pequenos “tifos” e bandeiras.
Estes são algumas sugestões que devem, obviamente, ser adaptadas a cada clube, mas servem para exemplificar que EXISTEM possibilidades, mesmo que o fosso pareça impossível de diminuir. Está à vista de todos que o futebol tem de se esforçar por conquistar o seu espaço nas agendas de entretenimento das pessoas, então já não basta pensar só no plantel e em como ganhar jogos. É preciso fazer de cada jogo uma festa e um momento que seja agradável para quem assiste.
Finalizo, meu caro leitor, apelando a si e especialmente a todos aqueles que se queixam do panorama atual do futebol e dos milhões que circulam pelas grandes ligas, pela Arábia, pela MLS e por aí fora: este fim de semana abdique de ver um ou dois jogos na televisão e desloque-se ao estádio local. Quer seja 3.ª, 5.ª ou 7.ª divisão, apoie os clubes que ainda jogam o jogo pelo jogo e dê uma oportunidade a si próprio de se voltar a apaixonar pelo futebol.
Um abraço e um fora de jogo bem tirado pelo Sr. Vítor,
João Francisco
Prolongamento
Facto 🔍
Na primeira final de sempre da FA Cup, em 1972, a barra da baliza era de fita adesiva.
Leitura 📖
Salvação ou morte? Investidores estrangeiros já controlam metade dos clubes da I Liga
🖋 Eduardo Soares da Silva na Renascença