Não é só aqui na Factball que há uma admiração com os dados e a estatística.
Nos últimos anos, todos temos vindo a observar nas transmissões televisivas das diversas ligas de futebol que a quantidade de informação que nos é apresentada tem aumentado. Talvez até tenha sido no Mundial do Catar que essa tendência tenha atingido o seu potencial máximo até agora, com a apresentação em Realidade Aumentada de diversos dados enquanto o jogo decorre.
Nesse seguimento, hoje quero trazer-lhe a análise de uma métrica específica que mesmo sendo das mais antigas, ainda nos diz muito sobre o jogo e continua a ser amplamente utilizada pelo staff técnico dos clubes: a distância percorrida.
A dissecação destes dados por parte dos clubes de futebol é feita ao milímetro, quer seja em contexto de jogo ou de treino e serve principalmente para gerir o esforço dos atletas e ver exatamente em que condições físicas eles se encontram.
Para além disso, pode ser utilizada para avaliar a fase de maturidade física em que os atletas se encontram e pode ser decisiva no que toca a renovar um contrato profissional.
Estes dados têm ainda mais uma componente vital para o “adepto comum” que joga aquela peladinha semanal com os amigos e tem um relógiozinho a registar quantos quilómetros correu - ver exatamente a que distância ficou dos seus ídolos e concluir que afinal já não vai dar para ser jogador de futebol profissional… Eu próprio incluo-me aqui.
Vejamos o que nos dizem os factos!
Quem corre mais no campo
A intuição de quem já viu algumas dezenas ou centenas de jogos de futebol dirá que são os jogadores que atuam no centro do terreno que correm mais, uma vez que têm impreterivelmente de estar presentes nos momentos ofensivos e defensivos da equipa.
Pois bem, o grande estudo do Centro Internacional de Estudos Desportivos (CIES) de 7855 jogos nas épocas de 2020 e 2020/21 de várias ligas dos continentes europeu e americano, confirma estas suspeições, mas dá-nos ainda mais informação sobre o tema.
É verdade que são os médios que cobrem mais terreno, com uma média de 10.611 metros por jogo, mas as diferenças talvez não sejam tão grandes como seria de esperar. Os defesas centrais, a posição que cobre menos distância, tem uma média de 9.222 metros por jogo, o que representa 1.389 metros a menos que os médios.
No entanto, quando olhamos para as velocidades a que se corre, os dados ficam mais interessantes. A corrida a alta intensidade, i.e. a uma velocidade superior a 5,5 m/s ou 19,8 km/h, é mais recorrente nos extremos, com uma média de 932 metros por jogo. No vértice oposto temos os defesas centrais, que “apenas” percorrem 485 metros neste ritmo.
Quanto ao sprint, i.e. corrida a uma velocidade superior a 7 m/s ou 25,2 km/h, o ranking é semelhante com os extremos a cobrirem 211 metros neste ritmo e os defesas centrais com uns modestos 96 metros.
Ainda nesta divisão por posições no campo, o estudo apresenta-nos um outro resultado interessante. Os extremos e os avançados correm mais metros em alta intensidade quando a equipa tem a posse da bola, enquanto os médios, laterais e centrais correm mais neste ritmo quando a equipa não tem a bola.
Quem corre mais e menos no mundo
Tirando agora o foco do posicionamento dos jogadores, analisemos quais são as ligas onde se cobre mais terreno em corrida.
Nos tais 7855 jogos analisados pelo CIES, a média de distância percorrida por jogadores de campo, por equipa e por jogo foi de 99.9 quilómetros.
O top 5 é composto somente por primeiras divisões europeias, sendo que a primeira divisão espanhola foi aquela onde se correram mais quilómetros, com cada equipa a obter uma média de 103.7 km por jogo.
Quanto às competições onde se corre menos em média, há três da América Latina, sendo que a Copa Sudamericana, a “segunda divisão” das competições continentais, juntamente com a primeira divisão brasileira ocupam o último posto, com 95,8 km por jogo.
Em termos de corrida em alta intensidade a média total do estudo foi de 734 metros. A análise aos 5 melhores e piores apresenta algumas diferenças dignas de nota em relação aos quadros anteriores.
Sendo que Espanha, Polónia e Itália repetem o top 5, desta vez também a Premier League inglesa e a Super Liga suíça se juntam às melhores competições. No entanto, continuam a ser os jogadores da LaLiga os que correm uma maior distância por jogo em alta intensidade, com 803,9 metros.
No top das competições com menos corrida de alta intensidade, voltamos a ver as três sul-americanas, juntamente com as primeiras divisões escocesa e grega. Os jogadores da Copa Sudamericana perfilam-se mais uma vez como os piores neste registo com 647.3 metros por jogo.
Outras descobertas
A análise do CIES trouxe-nos ainda outras conclusões que não podem ser descuradas.
Para além do que foi dito acima sobre que posições cobrem mais metros quando a respetiva equipa tem a posse da bola, foi ainda possível concluir que, de forma geral, os jogadores acabam por correr mais metros quando a sua equipa não tem o controlo da bola: 3.911 metros por jogo sem posse contrastando com 3.594 com a posse da bola.
Em termos de equipas, não foi encontrada uma correlação significativa entre o número médio de pontos obtidos por jogo e os valores médios de distância percorrida, nem em termos gerais, nem em termos de corrida de alta intensidade. Isto diz-nos que correr mais não tem uma representação direta no resultado final.
Uma outra análise de correlação mostra que há uma correspondência entre os resultados das equipas e a distância percorrida em sprint. Esta revelação está muito provavelmente relacionada com o facto de as equipas que estão em vantagem no jogo aproveitarem para adotar posturas mais defensivas e utilizar o contra-ataque, onde se fazem mais sprints, com mais regularidade.
Para além de tudo isto, a relação da distância percorrida nos diferentes níveis de intensidade com a idade dos atletas é clara e foi estatisticamente comprovada. Quanto mais novos são os atletas, maior é a distância percorrida no total e nos diferentes níveis de intensidade.
Por último mas não menos interessante, olhemos para um estudo, elaborado em 2019 por 4 investigadores chineses, de 559 jogadores em 59 jogos do Campeonato do Mundo de 2018 na Rússia.
Nesta dissertação, que separou as diversas seleções participantes nas respetivas confederações, foi concluído não há diferenças significativas na velocidade máxima, no número de sprints feitos, e no tempo despendido e distância percorrida em corrida de moderada e de alta intensidade. No entanto, as seleções nacionais das confederações da Europa e da América do Sul estiveram mais tempo e cobriram mais terreno em jogging ou corrida de baixa intensidade do que as restantes equipas, que por contraponto caminharam mais.
Conclusão
Depois de tantos dados e revelações, há que dar algum sentido aos mesmos.
No que se prende com as posições dos jogadores, temos claros indícios que as necessidades físicas de cada posição são diferentes e isso terá obrigatoriamente que ser considerado quando se desenvolve o plano de treinos tanto para a pré-época quanto para o período de competição.
Depois, em termos macro, analisando as diferentes ligas e mesmo sabendo que não foi possível traçar uma correlação significativa entre o ranking das mesmas e a distância percorrida, é notória que as ligas sul americanas têm um ritmo mais baixo que as europeias e isso poderá certamente ser levado em consideração pelos treinadores e diretores desportivos de clubes dessa região. Aumentos na preparação e rigor físico poderão trazer resultados práticos no curto prazo.
No entanto temos também de considerar o caso da Polónia, que se apresenta em ambos os top 5 de distância percorrida geral e em alta intensidade, mas que se encontra no 27º lugar no ranking da UEFA. Isto mostra-nos que correr muito e correr bem são coisas completamente diferentes.
A juntar a tudo isto os dados apontam também para que seja mais fácil gerir o esforço e fadiga dos jogadores em modelos de jogo que deem primazia à posse de bola. Isto poderá ser particularmente interessante para clubes que tenham ambições de vencer vários troféus numa única temporada e que possam usar um estilo de jogo específico para maximizar a longevidade física dos seus atletas.
Finalmente, uma das conclusões mais importantes a retirar prende-se com a forma como os jogadores se deslocam no campo entre as ações de maior intensidade. Parece haver fortes sinais de que o “segredo” está em recuperar a posição no campo num ritmo mais baixo de corrida ao invés de simplesmente caminhar. A não ser que falemos de Lionel Messi. Mas se o que Messi faz começar a entrar nas minhas análises, então não há dados estatísticos que me valham!
Por esta semana é tudo. Agora para desanuviar, vá dar uma corridinha, mesmo que seja em ritmo baixo.
Um abraço e uma palestra de Marcelo Bielsa,
João Francisco
Prolongamento
Facto 🔍
Quando ocupava o cargo de diretora do Birmingham City, Karren Brady, a atual vice-presidente do West Ham, vendeu o seu marido, Paul Peschisolido, ao Stoke por 400 000£.
Leitura 📖
Aursnes, o anti-homem do jogo, o exibicionista discreto
🖋 Bruno Vieira Amaral na Tribuna Expresso
Vídeo 🎥
Primeiros dois episódios aqui.