Caríssimo leitor,
Esta semana trago-lhe um tema que me é muito próximo e que tem porventura mais importância do que deveria para este nosso “Jardim da Europa à beira-mar plantado”.
A conexão entre os dois maiores clubes de futebol de Lisboa e correntes políticas é uma comum conversa de café, muitas vezes levantada em tom depreciativo. A verdade é que nunca ninguém pôde dizer com autoridade se há fundamento em associar adeptos do Sport Lisboa e Benfica a ideais e partidos de esquerda ou adeptos do Sporting Clube de Portugal aos de direita… até 2017.
Foi nesse ano que publiquei a minha dissertação de mestrado na Universidade Católica Portuguesa, intitulada “Futebol e política: Preferência clubística em Portugal correlaciona-se com a identificação político-partidária”.
Um pouco de história
“Por um lado, o Sport Lisboa e Benfica é de origem humilde, tendo sido fundado em 1904 em Belém por alguns moradores, trabalhadores das redondezas e um grupo de estudantes da Real Casa Pia de Lisboa, uma organização pública que ajuda crianças e adolescentes sem condições domésticas adequadas.
Por outro lado, o Sporting Clube de Portugal foi fundado em 1906, por um grupo de jovens entusiastas de algumas das famílias mais ricas de Lisboa que já tinham pertencido a um clube onde as festas sociais tinham um papel tão importante como o próprio desporto. Aliás, Alfredo Augusto das Neves Holtreman, o primeiro presidente do clube e aquele que financiou com dinheiro e terras os primórdios do mesmo, era de facto membro da nobreza portuguesa e tinha laços estreitos com a Família Real Portuguesa.” - Francisco, 2017
Prometo-lhe que esta longa citação não foi preguiça para não escrever. Simplesmente é a primeira vez que me cito a mim próprio e olhe… poderá muito bem ser a última e assim fica em posição de destaque para todos verem bem!
Agora que teve acesso aos primórdios de cada clube, não é chocante pensar que, pelo menos naqueles tempos, os ideais políticos dos fundadores do Sporting penderiam para a direita, e os do Benfica, se não pendessem para a esquerda, pelo menos seriam do centro.
Mas será que passados mais de 110 anos, essa realidade ainda se mantém?
Método
Para responder a todas as questões a que me propûs, e para ter algum suporte das “massas”, tinha de falar com uma quantidade considerável de pessoas.
Assim, com recurso ao software Qualtrics, pude criar questionários complexos que me iriam ajudar a recolher as respostas e a criar sistemas lógicos de alocação de perguntas (mais à frente perceberá onde foram necessários).
Estes questionários foram depois distribuídos das formas mais criativas que tive capacidade naquela altura. Para além de umas mensagens bem humoradas nas redes sociais, contactei também diretamente todos os partidos políticos portugueses e os clubes de futebol das dua principais divisões de Portugal. Talvez o método mais “fora da caixa” tenha sido espalhar o código QR abaixo pela cidade de Lisboa e pela Web Summit, na Altice Arena.
Deste modo, consegui recolher uma amostra válida de aproximadamente 300 pessoas. Poderá dizer-me que não é um número espantoso, mas a verdade é que é melhor que muitos estudos para pastas de dentes branqueadoras e champôs anticaspa que andam no mercado e não é por isso que não os compramos.
Resultados
Passemos então agora à análise de resultados e onde lhe vou finalmente dizer se os seus amigos são de direita ou de esquerda.
O estudo foi repartido em quatro grandes análises planeadas e uma “feliz coincidência”, todas por intermédio do software SPSS:
A força política dos clubes na escolha de partido
A força política dos clubes na escolha de ideologia
Como lhe disse previamente, criei duas versões do questionário para testar estas hipóteses. Numa das versões eram mostrados estímulos visuais dos clubes de futebol e na outra não. Por sua vez, o software utilizado ia alocando aleatoriamente uma das versões a cada novo respondente, de forma que o número de respostas de cada um fosse similar.
Como efeito, foi possível testar se, após receber estímulos com grafismos dos seus clubes, os respondentes seriam de alguma forma influenciados na escolha de partidos políticos ou ideologias. Por meio da criação de modelos de regressão linear, foi possível concluir que não. A força política dos clubes de futebol não é suficiente para influenciar escolhas de partidos políticos ou ideologias políticas.
Escolha de clube e escolha de partido político
Nesta análise foram medidas as diferenças entre o grupo de adeptos do Benfica e os do Sporting em relação ao seu apoio a partidos de direita e partidos de esquerda, por meio de um Teste-T de Amostras Independentes. Mesmo havendo algumas diferenças, as mesmas não são significativas, pelo que, ficou evidenciado que não existe uma relação significativa entre o apoio a partidos políticos de direita ou esquerda por adeptos de Sporting e Benfica, respetivamente.
Escolha de clube e ideologia política
Esta é a análise que dá título a este texto e foi a única que trouxe algum alento à investigação. Com o mesmo tipo de teste da análise anterior, foi possível confirmar que os adeptos do Sporting são de facto mais conservadores na sua ideologia política que os do Benfica.
Este ensaio tem um aspeto que difere do anterior e talvez daí venha a sua significância. Em qualquer momento é mais fácil uma pessoa indicar a sua ideologia política do que o partido que apoia. Por exemplo, muitos dos respondentes de direita, não se viam naquele momento representados por nenhum dos partidos de direita, mas não deixam de ser apoiantes da direita política.
Ideologia política e entusiasmo com futebol
No entanto, o resultado mais inusitado terá chegado de uma análise que não foi planeada, tal Alexander Fleming. Depois de cruzar o entusiasmo pelo futebol e o posicionamento da ideologia política num modelo de regressão linear, foi possível concluir que quanto mais de direita é a ideologia de um adepto, mais entusiasmo demonstra em relação ao futebol.
Conclusão
O mais desafiante destas teses académicas é tentar chegar às causas dos resultados que se encontram. Quando falamos das ligações dos adeptos a uma ideologia política que tem raízes na sua fundação, mesmo há mais de 100 anos, não podemos ficar admirados. Porém, quando verificamos que o entusiasmo com futebol é crescente quanto mais à direita do espectro político se está, ficamos mais perplexos. Quererá isso dizer que os adeptos da Lazio são os mais fervorosos do mundo? Deixo a pergunta, porque aqui lidamos somente com factos!
Esta semana fico por aqui. Agradeço-lhe imenso o seu tempo e já sabe, da próxima vez que quiser dizer ao seu amigo sportinguista que ele é de direita, esteja à vontade e diga que vai da minha parte! Ou ele ficará indignado e virá aqui ler a newsletter, ou ficará impressionado e virá aqui ler a newsletter! Win-win!
Um abraço e um livre directo de Juninho Pernambucano,
João Francisco
Prolongamento
Facto 🔍
No Mundial de 2010 só houve uma equipa invencível. A Nova Zelândia.
Leitura 📖
Footballers and yoga: Extending careers by five years and creating an ‘inner calm’
🖋 The Athletic