O PSG vai reaver o dinheiro de Messi em seis meses, com a venda de camisolas. Grande negócio. - Piers Morgan, 2021
Prometo que começar esta edição com um tweet do Sr. Piers Morgan, que recentemente entrevistou Cristiano Ronaldo, não tem nada que ver com querer ganhar notoriedade no meu próprio Twitter… no entanto, espero que ajude.
O facto de, em 2021, um jornalista britânico com mais de 8 milhões de seguidores na rede social Twitter afirmar uma coisa destas, mostra-nos que ainda há uma parte considerável de adeptos e profissionais de futebol que assumem que os clubes de futebol geram receitas incríveis com este tipo de produtos.
A juntar a isto, todos as grandes transferências despertam numa qualquer redação de imprensa uma mesma ideia: vamos averiguar quantas camisolas foram vendidas desde que o anúncio da transferência foi feito e daí vamos extrapolar uma data para quando o valor das vendas alcance o valor da transferência!
Assim se chega a títulos como:
“Man Utd set to pay off Cristiano Ronaldo's transfer fee before he's kicked a ball”
“Amount of shirts Man Utd need to sell to pay for Cristiano Ronaldo transfer fee”
“Gabriel Jesus is already paying off £45m transfer fee as Arsenal break kit record on opening day”
Bem sei que estas publicações não são referências jornalísticas, mas não deixam de ter uma grande base de ávidos leitores e seguidores.
Contrariamente, há também algumas publicações no mundo desportivo que fazem um esforço para desmistificar esta ideia, mesmo que nem sempre consigam apresentar números concretos, talvez por este tipo de informações fazer parte da estratégia comercial dos fabricantes e dos clubes.
Assim sendo, achei que faria sentido debruçar-me sobre este tema e trazer alguns factos para cima da mesa que nos façam chegar a uma conclusão.
Vamos a isso!
As camisolas como produto
As camisolas de futebol não são um produto acessível para o bolso comum, mas na verdade, nunca o foram (pelo menos desde que as marcas repararam que havia interesse dos adeptos em adquirir as mesmas).

Tomemos o exemplo da camisola alternativa do Arsenal FC, para as épocas de 1991/92 e 92/93. Aquela que eventualmente se tornaria um ícone nas ruas de Londres três décadas mais tarde, era vendida por £28 libras esterlinas. Hoje em dia, e usando a calculadora de inflação do Banco de Inglaterra para que não me apontem erros de cálculo, custaria £56,67. No site do clube, a camisola alternativa da presente época pode ser adquirida por £70, ou £63 se formos um “gunner” com as quotas em dia.
Mesmo havendo um aumento significativo do preço, uma boa parte é explicada pela inflação. A outra, simplesmente pela autorregulada lei da oferta e da procura.
De qualquer forma, baratas ou caras, as camisolas de futebol são o produto mais vendido em toda a gama de merchandising dos clubes, e isso faz das mesmas um ótimo barómetro da força de um clube, de uma liga, ou até de um país.
Em dados de 2018 (peço desculpa, mas simplesmente não há nada mais recente com níveis de credibilidade aceitáveis para os parâmetros da Factball), a UEFA mostra-nos os preços médios das camisolas de futebol em diversos países europeus, e há alguns dados curiosos.
Sendo a Premier League inglesa considerada a número 1 no mundo segundo vários critérios (transferências, salários, espectadores, receitas, etc…), seria de esperar que tivesse os preços mais altos da Europa. Mas não. Até está em linha com Portugal, um país com o qual não se pode traçar qualquer comparação a nível de salários, ou do tamanho da indústria do futebol. A Suíça, por outro lado, aparecendo no 13º posto do ranking da UEFA, tem os preços médios mais altos, o que corrobora a ideia de que há um peso do nível de vida na definição de preços, e não só da força do futebol do país no contexto europeu.
Em jeito de curiosidade, deixo-lhe aqui também as camisolas mais vendidas por clube, em 2021.

As camisolas e o licenciamento
Não há dúvidas que a contratação de um jogador de renome reflete-se automaticamente num aumento da procura de merchandising do clube que o contratou. Para além disso, é óbvio que os ganhos que esse mesmo clube poderá retirar dos direitos de imagem dos atletas são enormes, já para não mencionar o rendimento desportivo.
Porém, há duas razões pelas quais é desonesto pensar que as vendas dessas camisolas irão pagar o valor da transferência.
Primeiro, uma grande percentagem das camisolas vendidas com o nome do novo craque nas costas, já iriam ser vendidas de qualquer forma. Não há nenhum estudo que comprove esta afirmação, mas é mais lógico assumir isto do que assumir que todas as camisolas da mais recente contratação tenham sido feitas só por ser o jogador que é. Um adepto do Manchester City que compre camisolas para si e para a seu criança, em cada início de época, poderá estampar “Haaland 9” nas costas sem que a venda da camisola tenha sido feita devido à contratação do goleador norueguês.
Em segundo e a principal razão de todas que poucos parecem considerar: a margem de lucro.
A forma maioritariamente usada de colaboração entre fabricantes de equipamentos e clubes de futebol é o licenciamento.
Estes acordos de licenciamento permitem que o fabricante produza, publicite, distribua e venda, pelas suas vastas redes globais, produtos com a propriedade intelectual dos clubes, por exemplo, os seus símbolos, cores e história.
Isto permite que os clubes se foquem naquilo que são bons, e delegam esta tarefa a uma empresa com imensa experiência e capacidade na produção e distribuição de material desportivo.
Assim, neste tipo de contratos, todos os clubes de futebol “negoceiam” várias condições com os principais fabricantes de equipamentos do mundo. As quatro principais são:
Pagamento Inicial, também chamado de Sign-on Fee
Este é o valor que a marca paga ao clube para iniciar o contrato e constitui uma grande parte do valor total. Funciona quase como um pagamento adiantado pelas vendas futuras.
Consumíveis/Pagamento em Espécie
Este é o ponto em que se estabelece a quantidade de equipamentos de jogo, equipamentos de treino, fatos de treino, bolas, coletes, sapatilhas, entre outros, para a equipa principal, para o staff técnico e muitas vezes para as camadas jovens, que o clube pode receber ao longo da época.
Valor Mínimo Garantido
Este é o valor que o fabricante vai pagar aos clubes anualmente, independentemente da quantidade de produto que consiga vender.
Royalties
Este é o valor variável do contrato que depende das vendas de produtos. Representa-se pela percentagem que os clubes recebem da venda de cada produto com a sua propriedade intelectual.
No entanto, a maioria dos contratos são standardizados por um motivo muito simples. Empresas como a Nike e a Adidas são incrivelmente maiores que mesmo o maior clube de futebol do mundo. Mesmo sabendo que não é o clube mais valioso do mundo, a venda do Chelsea FC constituiu a maior avaliação de sempre numa transação, colocando o clube nuns extraordinários $3,2 mil milhões. Ora, neste preciso momento a que vos escrevo, a Adidas tem uma capitalização de mercado de $23,44 mil milhões e a Nike de $165,77 mil milhões.
As margens de lucro
Foi numa pequena sala do velhinho e agastado Camp Nou, o estádio do FC Barcelona, que a revelação foi feita a um conjunto de alunos do mestrado em negócios do futebol do Johan Cruyff Institute: os clubes não ganham quase nada com a venda das camisolas!
Choque para uns (eu incluído), encolher de ombros de outros, já familiarizados com a informação.
Foi-nos apresentado, pelo professor de Receitas do Futebol Oliver Seitz, o exemplo da Juventus Football Club e da sua parceria com a Adidas.
No exemplo discutia-se a venda de camisolas para pagar a transferência de Cristiano Ronaldo, que chegou do Real Madrid por 100 milhões de euros.
As duas grandes fatias do “bolo” total são a parte do distribuidor (Zalando, neste caso) e a parte do fabricante (Adidas). Quanto aos 50% do distribuidor, são justificados com o incorrimento em custos consideráveis com CAPEX, rendas, salários, marketing, distribuição, promoções, impostos e outros custos operacionais. Por sua vez, os 40,5% da Adidas também incorporam custos com CAPEX, produção, marketing, investigação e desenvolvimento de produtos e custos operacionais.
Assim, sobram 5% que vão para o IVA do fabricante e 4,5% que são os royalties da Juventus.
Com estes dados, calculou-se que a Juventus teria de vender 27,8 milhões de camisolas para pagar a transferência de CR7. Se juntássemos os 10 clubes que mais camisolas venderam em 2021, ainda faltariam quase 10 milhões de camisolas!
Impossível, portanto!
O que também é virtualmente impossível é o acesso a estes contratos celebrados entre os clubes e os fabricantes, pelo que o que circula mais na internet são estimativas. Muitas delas elaboradas pelo Dr. Peter Rohlman, um especialista alemão em marketing desportivo.
Citado pelo Athletic Interest, Peter diz-nos que a Federação Alemã recebe 6,1% de cada camisola vendida, e citado pelo El Confidencial, diz-nos que segundo os seus cálculos, a Juventus recebe 6% de royalties, ao invés dos 4,5% referidos pelo nosso professor.
O Goal.com fala numa média de 7,5%, que pode ascender a 15% em casos extremos, ou seja, de clubes muito grandes, com vendas elevadas.
Mesmo sendo muito difícil encontrar os valores oficiais destes contratos, ficamos com uma ideia clara de que a larga maioria dos clubes andará abaixo dos 10% de royalties de merchandising.
Conclusão
De facto, os clubes de futebol poderão nunca vir a pagar as suas transferências com as vendas de camisolas de futebol.
Efetivamente, esta é ainda uma fonte de rendimento subdesenvolvida para os clubes. Por um lado, não têm capacidade nem conhecimento para enveredarem pelo caminho da sua própria marca. Por outro, as marcas desportivas continuam a exercer um tremendo poder na indústria do futebol.
Assim, já sabe: da próxima vez que ler um título mirabolante de uma transferência paga em camisolas, envie esta Factball para o autor!
Um abraço e um remate rasteiro em arco de Lionel Messi,
João Francisco
Prolongamento
Facto 🔍
Thomas Muller nunca marcou um golo num Campeonato da Europa.
Leitura 📖
World Cup stadium food reviews: From burger mysteries to pizza surprises
🖋 Joshua Kloke no The Athletic