Estimados apaixonados pelo jogo,
espero que tenham aproveitado estas semanas sem a Factball. Desejo “secretamente” que tenham sentido tanta saudade de ler esta publicação como eu senti de a escrever!
O tópico desta semana enquadra-se perfeitamente no regresso à normalidade depois dos excessos atrozes da época festiva em termos de alimentação. Talvez em Portugal o cenário seja mais “aterrorizador”, mas penso que em vários outros países por esse mundo fora a gula também abunde nesta época do ano.
Falemos então da alimentação e daquilo que dela pode advir para os futebolistas, quer sejam problemas pela inadequação ou longevidade e frescura física quando feita da forma correta.
Sem mais delongas, vamos aos factos!
As lesões no futebol
Atualmente já não existem grandes dúvidas: aquilo que comemos impacta verdadeiramente a resposta do nosso corpo aos demais desafios.
Um estudo de 2014 elaborado por dois médicos e um nutricionista do FC Barcelona mostra-nos, antes de tudo, que o futebol é dos desportos com mais lesões. Num plantel de 25 jogadores de elite são esperadas cerca de 50 lesões por época, sendo que metade são lesões de curta duração (ausências de menos de uma semana) e cerca de 8 a 9 são lesões de longa duração (mais de 4 semanas de ausência).
Sabemos ainda através deste estudo que um terço das lesões no futebol profissional de elite são musculares e que 92% dessas afetam os grupos inferiores: 37% nos tendões, 23% nos adutores, 19% nos quadríceps e 13% nos gémeos.
Uma das principais razões apontadas para estes números é o tempo insuficiente de recuperação entre jogos, que pode culminar em fadiga crónica.
Além disso, há ainda indícios de que o tempo de recuperação entre épocas (geralmente 3 a 4 semanas) não é o suficiente para descansar e regenerar os músculos completamente, pelo que pode ser mais um fator a contribuir para o elevado número de lesões.
Por todos estes motivos, a prevenção e a recuperação são dois dos aspetos mais trabalhados pelos clubes de futebol, sendo que a nutrição (juntamente com a hidratação, o sono e banhos de imersão em água gelada) está entre as medidas mais estudadas e mais populares.
O papel da nutrição
O estudo referido anteriormente diz-nos também que o “custo energético” de um jogo de futebol de 90 minutos é de 1300 a 1500 kcal, dependendo da posição e da composição corporal do jogador e das táticas da equipa.
Assim, a principal função que a nutrição desempenha é a de repor estas calorias gastas. No entanto, não basta ingerir estas quantidades por si só. Existem dois macronutrientes fundamentais que potenciam o desempenho e a recuperação dos atletas: proteína e hidratos de carbono. É aconselhada a ingestão de proteína (0,3 g/kg) imediatamente após um exercício, bem como a ingestão de 60 gramas de hidratos de carbono por hora, nas 3 horas seguintes, de forma a restaurar os níveis de glicogénio nos músculos.
Além disso, um aumento na ingestão de hidratos de carbono antes de eventos de elevado desgaste, como são os jogos oficiais ou sessões de treino mais intensas, é a única forma de garantir que o atleta tem energia suficiente para gastar durante todo o exercício.
A hidratação é outro dos aspetos fundamentais e tem de ser ajustada aos padrões de cada atleta, uma vez que os níveis de suor e a perda de eletrólitos variam drasticamente de pessoa para pessoa.
A juntar a tudo isto, a ingestão de suplementos em forma de géis, bebidas e concentrados é algo comum no desporto em geral, e o futebol não é exceção.
Finalmente, mas não menos importante, há algumas considerações específicas para o futebol feminino, especialmente a deficiência nos níveis de ferro, nas mulheres em geral, mas particularmente nas futebolistas, que pode ser colmatado com a ingestão de alimentos ricos em ferro e suplementos.
Guia prático para um atleta de elite
As redes sociais e publicações dos clubes dão-nos algumas pistas sobre o que cada atleta gosta e é por isso que sabemos que Erling Haaland é um fã confesso de cenouras cruas antes dos treinos e a receita favorita de Leo Messi é frango assado no forno com legumes.
Mas por norma estes atletas têm a vida facilitada por chefs e nutricionistas que lhes elaboram planos específicos para as necessidades do seu corpo e do seu estilo de jogo.
Assim, não podendo desenvolver aqui um plano específico para cada um de vós, quero mostrar nesta secção um belo trabalho do Hibernian FC, e da sua nutricionista de performance Paola Rodriguez-Giustiniani, que elaboraram um plano generalizado, dividido em 5 etapas, específico para os dias de jogo dos futebolistas.
1. O dia anterior
Menos proteínas e mais hidratos de carbono é o mantra. Focar na ingestão de massa e batata-doce, e cortar nas carnes vermelhas, molhos, picantes e comidas gordurosas.
2. O pequeno-almoço
Os jogadores deste clube têm por hábito continuar a sua preparação com a ingestão de mais hidratos de carbono e proteína, pelo que aveia, tostas, panquecas, fruta e ovos são ótimas opções para começar o dia.
3. Hidratação
Este é um dos pontos que pode muitas vezes escapar aos atletas não profissionais, e é uma das principais razões de quebras na performance quando não é bem planeado. Beber muita água e complementar com eletrólitos é fundamental, durante todo o processo, ou seja, antes, durante e após os jogos.
4. Refeição pré-jogo
Considerada a refeição mais importante do plano, é no pré-jogo que se ingere a maior quantidade de hidratos. Isto é fundamental para que a fadiga não comece a atormentar os atletas demasiado cedo durante a partida.
5. O pós-jogo
Tal como mencionado anteriormente, durante a primeira hora após o jogo é necessário repor os níveis de hidratos de carbono. Boas opções são wraps de frango, burritos ou salada de fruta. Mas é também nesta fase do plano que se dá lugar a algumas indulgências e poderá haver espaço para piza, leite com chocolate ou outras comidas que normalmente não seriam de esperar nos atletas de alta competição.
De facto, a alimentação é um dos mecanismos que os jogadores podem tirar proveito para prolongarem as suas épocas e as suas carreiras, mas há ainda mais alguns truques. Cristiano Ronaldo e os seus minutinhos ao sol, por exemplo, foram protagonistas num documentário sobre a Juventus quando o craque português lá jogava e de facto a falta de vitamina D está associada a alterações na força e composição dos músculos.
Lembre-se sempre que ao mais alto nível, tudo conta para nos mantermos no topo!
Conclusão
Se tem pretensões de melhorar a sua performance, penso que tem aqui informação suficiente para o fazer, mas as conclusões desta semana prendem-se com um tópico mais abrangente que na minha perspetiva tem uma relevância muito superior ao próprio futebol.
Há uns anos nos Estados Unidos, enquanto discutia com alguns familiares, no bom sentido da palavra, qual seria a lição que deixaríamos às gerações futuras se só pudéssemos escolher uma, um dos participantes na conversa, sem hesitações, disse:
Come os teus legumes e paga os teus impostos.
A simplificação tem tanto de dramática como de perfeita e realmente, ganha todo um outro peso vindo de um americano (era, em 2016, o país com mais obesidade na OCDE e 12.º no mundo).
Infelizmente, ao analisar dados relativos à obesidade, fico com a ideia de que em muitas das sociedades que se dizem “desenvolvidas” se tenha perdido a noção do que é ser saudável. Perdemos a noção do que é ter o peso certo. Se olharmos para os somatórios de pessoas em sobrepeso (IMC>25) e obesas (IMC>30), o cenário é chocante. E desengane-se quem pensa que isto é um problema dos “americanos e dos seus hambúrgueres”.
Nem quero abordar o tema na vertente infantil, porque então não conseguirei continuar a escrever de tão revoltante que é.
Se ao futebol ainda resta pelo menos uma responsabilidade social, terá de ser esta. Ensinar crianças e adultos a terem um estilo de vida mais ativo e a priorizarem uma alimentação saudável para que tudo na sua vida seja melhor.
Hoje termino por aqui com uma pequena “intervenção social” que se ajudar pelo menos uma pessoa, já fará valer a pena.
Um abraço e a elegância de um golo de Thierry Henry,
João Francisco
Prolongamento
Facto 🔍
O remate mais potente alguma vez registado na história do futebol, 211 km/h, pertence a Ronny Heberson Furtado de Araujo, em 2006, quando jogava ao serviço do Sporting Clube de Portugal.
Leitura 📖
Harry Kane: How the striker broke the England goals record
🖋 Phil Dawkes for BBC Sport
Gostei muito deste artigo no regresso da Factball. E, realmente, já tinha pensado que não via a Facball no meu email há algum tempo. Além do bom artigo, a entrevista do Aimar é excelente.
Um pensamento/comentário em relação ao aumento da obesidade e à má alimentação. É evidente que há uma grande componente da industrialização e das comidas processadas. Mas julgo que também haverá muito o efeito da melhoria das condições de vida trazer acesso a um tipo de alimentação que antes estava muito mais inacessível, sobretudo de proteínas. Esta má alimentação acho que acaba por ser um pouco um subproduto do aumento do nível de vida. Não quero dizer com isto que não se deva consciencializar as pessoas para o problema, até porque outra coisa que também temos mais e melhor é informação.