A primeira coisa que pensei quando comecei a investigar este tópico foi a elegância e a virtude da Aranha Negra. Não falo do aracnídeo em si, mas de Lev Yashin, o guarda-redes russo que marcou uma era no futebol mundial. Para além de ser reconhecido como o único guarda-redes a ganhar uma Bola de Ouro, o moscovita ainda hoje é lembrado pelo equipamento totalmente negro e a boina que usava nos jogos ao serviço do Dínamo de Moscovo (único clube que representou em toda a carreira) e da seleção da União Soviética.
E pensei neste caso principalmente porque poderia deitar por terra qualquer análise que eu possa vir a fazer sobre a cor das camisolas dos guarda-redes… Se um dos melhores de sempre vestia totalmente de preto, então as cores não terão influência nenhuma, ou então o preto é claramente a melhor cor.
Pois bem, certamente já reparou que para além de uma cor diferente, os guarda-redes de hoje em dia tendem a usar cores e padrões “berrantes”, muitas vezes a pender para os fluorescentes.
Mas porque será que isto acontece? São imposições das marcas? São os guarda-redes que escolhem, como fazia Yashin? São regras definidas pelas confederações ou pela FIFA? Ou são os clubes que escolhem porque sabem que a cor pode ajudar a sofrer menos golos?
Vamos aos factos!
Porque se usam cores diferentes?
Em primeiro lugar, as cores diferentes para os equipamentos dos guarda-redes são uma imposição do International Football Assotiation Board (IFAB), o organismo autointitulado como o “Guardião das Regras do Jogo”.
Há várias razões para esta obrigatoriedade e muitas delas remontam ao fim do século XIX, quando as federações inglesa, escocesa e galesa decidiram que era necessário distinguir mais facilmente o guarda-redes dos restantes jogadores, dando assim quatro opções a cada equipa: branco, vermelho, verde e azul.
A principal razão, e mais óbvia, prende-se com o facto de que o guarda-redes é o único elemento em jogo que pode tocar com as mãos na bola e em momentos de confusão dentro da área, como num pontapé de canto, esta situação nem sempre ser clara quando todos usavam equipamentos da mesma cor.
Adicionalmente, a facilidade de identificação do guarda-redes é vital na sua proteção em lances dentro da pequena área. Ao conseguir distinguir instantaneamente o guardião dos demais jogadores, os árbitros poderão assinalar mais rápida e facilmente quaisquer infrações cometidas dentro da pequena área.
Em termos do jogo jogado, é também importante para os jogadores defensivos da equipa terem uma referência fácil de identificar sempre que se encontram numa situação de aperto, podendo assim recorrer àquela solução.
De referir ainda que estes jogadores são os únicos que estão autorizados a usar um chapéu e calças de fato de treino durante jogos oficiais.
O impacto
Agora que já entendemos porque devem os guarda-redes usar cores diferentes no equipamento comecemos por falar sobre os efeitos que a “notoriedade” de um guarda-redes tem nos adversários.
Num estudo de 2016, onde se analisaram todos os desempates por grande penalidade dos Campeonatos do Mundo da FIFA e dos Campeonatos da Europa da UEFA de 1984 até 2012, totalizando assim 322 remates, foram retiradas algumas conclusões muito interessantes:
Aproximadamente 3 em cada 4 penalties (73,3%) resultaram em golo, o que está em linha com os recentes modelos de xG;
Dos 322 penalties, em apenas 48 o guarda-redes tentou distrair o rematador (palavras, gestos ou aquelas dancinhas que hoje se vê muitas vezes em cima da linha de golo);
Em 41% das grandes penalidades o rematador olhou fixamente para o guarda-redes durante a preparação do remate;
Os penalties em que o rematador olhou fixamente para o guarda-redes resultaram em mais defesas e melhor performance por parte do guardião;
Os penalties em que o guarda-redes tentou distrair o rematador resultaram em melhor performance por parte do guardião.
Com base nas conclusões que o estudo nos providenciou, podemos deduzir que tentar captar a atenção de quem bate um penalty é sempre benéfico para quem defende, o que faz do uso de cores vibrantes ou padrões fora do comum, uma tática muito plausível.
Nesse seguimento, olhemos para um outro estudo de 2013, onde se analisou a taxa de conversão de grandes penalidades consoante a cor da camisola do guarda-redes.
Nesta experiência 40 jogadores, com idades compreendidas entre os 18 e os 24 e com uma média de experiência de futebol competitivo de 12 anos, foram solicitados a bater 10 pontapés de penalty cada um. Na primeira semana do estudo, todos os jogadores remataram contra um guarda-redes com uma camisola preta, e uma semana mais tarde, contra um guarda-redes com uma camisola de uma das quatro cores seguintes: amarelo, verde, azul ou vermelho. Ademais, e antes de baterem cada série de penalidades, foi-lhes pedido que medissem o seu nível de confiança. As principais conclusões retiradas foram:
Não houve diferenças na expectativa de sucesso entre as diferentes camisolas;
Os atletas que remataram contra a camisola vermelha marcaram significativamente menos golos do que os que remataram contra as camisolas verde e azul.
Não será então descabido pensar que os guarda-redes que equipam de vermelho poderão ter uma ligeira vantagem. Por outro lado, equipas cuja cor principal é o vermelho, ou cujo adversário jogue com essa cor, terão sempre aqui um problema, uma vez que não poderão ver o seu guarda-redes com tal equipamento.
Conclusão
Infelizmente não há muitos mais estudos sobre os reais impactos da cor do equipamento dos guarda-redes na sua performance, mas os dois aqui mencionados são deveras importantes.
Se a isso juntarmos todo o corpo de investigação que já existe sobre o impacto da cor vermelha no desporto, podemos realmente assumir que ter guarda-redes equipados com essa cor constitui uma vantagem (pelo menos nas grandes penalidades).
Para além disso, nas competições a eliminar, onde existe a possibilidade de ter de se desempatar um jogo através de pontapés da marca de grande penalidade, parece ser evidente que os guarda-redes queiram tentarem captar a atenção do batedor dos penalties e tentarem distraí-lo com gestos, palavras ou coreografias.
Mesmo imaginando o pior cenário possível onde esta vantagem seja irrisória no futebol profissional, o facto de o guarda-redes se sentir mais confiante tendo estes dados na sua cabeça, é só por si uma vantagem.
Numa era em que os títulos nas principais ligas se podem definir nos detalhes, este tipo de informação pode ser extremamente útil para os clubes por esse mundo fora.
Fico por aqui esta semana. Se o seu clube ainda não tem um guarda-redes a fazer malabarismos antes dos penalties ou se não equipa de vermelho ou cores berrantes, talvez esteja na altura de enviar uma carta registada para a sede.
Não sei o que Yashin diria se fosse atleta nos dias de hoje e o obrigassem a vestir de vermelho, mas gosto de pensar que pediria transferência para outro clube qualquer.
Um abraço e uma finta de corpo de Fernando Chalana,
João Francisco
Prolongamento
Facto 🔍
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🖋 James Horncastle no The Athletic